Quando realmente faleceu o presidente Bacai Sanhá?

 

 

Olávio César Fernandes

12.10.2011

A situação político-militar guineense constitui, há mais de uma década, um complexo problema em constante mutação que sempre procura resistir a esforços internos e externos que visam reestruturar o setor da defesa e segurança e permitir a consolidação do frágil processo democrático.

A luta pelos interesses não institucionais com fortes tendências para a defesa do grupo, quer do ponto de vista social, religioso, étnico ou político, criou anti-corpos e mina a possibilidade de o Estado se afirmar como garante da ordem e do bem comum. Essa incapacidade do Estado em controlar e impor a sua vontade faz com que grupos e indivíduos usurpem o seu poder e implantem uma “cultura de violência institucionalizada” para alcançar os propósitos criminosamente traçados.

Entendemos por “cultura de violência institucionalizada” uma situação político-institucional em que ambições desmedidas do individuo e/ou do grupo sobrepõem-se às regras e valores legítimos, socialmente aceites e pré-estabelecidos pela sociedade e/ou norma política vigente. É um estado de desordem social, de medo e insegurança, de irresponsabilidade pública que tende a ser uma máquina de produzir pobreza e mortalidade. Este último pode ser por meios violentos ou por um processo lento de degeneração físico-psicológico. E é precisamente nesse emaranhado que a sociedade guineense se intercala – violência/pobreza e morte.

Nesse sentido, golpe e contra-golpe têm sido práticas correntes e a história da Guiné-Bissau passou a ser de sucessão de complôt, intriga e violência, tanto para conquistar o poder, quanto para mantê-lo. Aliás, a partir de 26 de dezembro passado o nível de insegurança voltou a dominar a agenda nacional com a alegada tentativa de golpe de estado desbaratada por homens fiéis ao chefe do Estado-Maior, general António Ndjai.

A velocidade dos fatos ocorridos nos últimos tempos exige uma observação mais cautelosa e profunda, não para concordar ou discordar com o que foi oficialmente comunicado pelo Governo ou denunciado pela oposição, se bem que esse papel de investigar cabe ao Ministério Público, mas apenas para fazer uma correlação entre – o que foi dito e o que faltou dizer, o que está ali e o que não está ali. Pois, no contexto guineense há momentos em que a noite é dia e o dia é noite. O certo é que o sigilo da verdade como princípio foi diluído na violência que está ao alcance de todos.   

Embora hoje tenha sido oficialmente anunciada a morte do presidente da República, Malam Bacai Sanhá, é um pouco difícil entender o caso 26 de dezembro sem questionar algumas situações pouco claras, como: Quando realmente faleceu o presidente Bacai Sanhá? Dia 9 de janeiro ou 2 de dezembro conforme a notícia veiculada pela RFI? Será que o primeiro-ministro foi realmente impedido de entrar no Hospital Val-de-Grâce para visitar o presidente Bacai Sanhá ou foi apenas uma estratégia? Por que logo depois se deslocou a Angola o senhor primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior? Quem são os responsáveis pelo descarregamento de droga trazida por uma aeronave nas proximidades de Mansoa? Quais são os reais interesses da Oposição Democrática? Existe uma mão oculta por trás das manifestações da Oposição Democrática? Koumba Iala crítico ou calado qual é o mais perigoso? Quais são as verdadeiras intenções de Roberto Cacheu? Houve tentativa de golpe ou é contra-golpe?

Estas indagações e mais outras aqui não levantadas podem servir para entender o jogo oculto de poder em curso. É bom voltar a dizer que não é nosso interesse provar ou não o que aconteceu, mas tão somente mostrar alguns cenários instáveis responsáveis pela tensão existente atualmente. A movimentação foi rápida e as partes em disputa estão em busca de melhor posicionamento no jogo, e a técnica de antecipação está a ser uma estratégia para ocupar territórios e garantir uma maior segurança.

Falando em garantir segurança, o atual cenário militar em torno da residência do primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, faz-me recordar o aparato de que dispunha o assassinado presidente Nino Vieira. Prefiro não entrar muito em detalhe sobre esse aspecto, mas o estado das coisas e, sobretudo, a experiência do passado recente, indica (se não forem tomadas as devidas precauções) para o prelúdio do anúncio do fim da era Cadogo e António Ndjai. Pois se há todo esse aparato é porque a parte contrária está em ativo? Daí uma preocupação: O Bubo sairá de Mansoa na mesma situação que saiu Zamora Induta ou utilizará dos mesmos mecanismos de 1 de abril para ganhar a liberdade?

Do ponto de vista institucional a morte do presidente Bacai Sanhá significa uma grande perda de um elemento que, até então, servia como fator de equilíbrio e de consenso entre poderes e grupos em disputa violenta para o controlo do poder. E neste momento há um vazio emergente que, sem dúvida, pode dar prioridade ao uso da força em vez do diálogo sempre promovido pelo falecido presidente.

Embora disfarçada, a situação continua tensa, incerta, e aponta para consequências imprevisíveis. E muito se espera  do substituto constitucional do presidente Bacai Sanhá, Raimundo Pereira, embora se saiba das limitações do cargo de presidente interino em termos de tempo e poderes. O certo é que desta vez, a tarefa é mais desafiante e exige a articulação de interesses para garantir o equilíbrio, permitir a continuidade do Executivo, que foi a terrível luta que Bacai Sanhá enfrentou, e criar condições para a realização de eleições presidenciais antecipadas.

Para terminar, não podia concluir esta reflexão sem expressar a minha dor ao povo guineense e, em particular, à família enlutada pelo desaparecimento físico do presidente Bacai Sanhá, personalidade que grandemente contribuiu na construção da história nacional.

 

E SE O PRESIDENTE MALAM BACAI SANHÁ MORRESSE AMANHÃ? 14.10.2011


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