CIMEIRA EUROPA/ÁFRICA: A INGERÊNCIA HUMANITÁRIA COMO FACTOR DE CREDIBILIDADE NO RELACIONAMENTO ESTRATÉGICO COMUM
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
06.12.2007
Uma Europa fria, sem os cantares, sem as danças, sem o colorido de gente que se junta para receber hóspedes estrangeiros; Presidentes e comitivas, como é habitual em África. É esta a Lisboa (poderia ser qualquer outra capital europeia) que vai receber hóspedes africanos; Presidentes e comitivas.
Em África, uma África quente, lá estariam as nossas crianças com fome, à sede, esperando cada delegação que chegasse. Lá estariam as nossas populações a cantar e a dançar, esquecidas momentaneamente da fome, das doenças, da sorte madrasta da vida, enfim, lá teriam que estar a bater palmas para as comitivas...
Dois continentes, duas civilizações distintas, ainda que, aculturadas uma na outra por força de vivências e convivências históricas.
Uma Cimeira histórica, diz-se, reunirá entre os dias 8 e 9 de Dezembro em Lisboa, Chefes de Estado, Chefes de Governo e delegados de países europeus e africanos, para o debate de questões previamente combinadas, ou seja; uma Agenda combinada.
Quero realçar que não pretendo em relação a esta Cimeira (a exemplo de opiniões que tenho vindo a ler e a escutar), fazer dela um Tribunal onde a Europa seja juíza de um processo condenatório contra África, na pessoa dos seus governantes. Esta é uma Cimeira de cúmplices e, portanto, de cumplicidades!
Para esta Cimeira, a meu ver, o primeiro passo no sentido de se criar, de facto, uma esperança num relacionamento saudável entre a Europa e África, passa pelo regresso ao passado, sem reavivar ódios e rancores, mas precisamente, no sentido de se limparem marcas negativas persistentes da presença colonial europeia em África.
Um pedido formal de desculpas da Europa a África, seria nesta altura, um gesto de dignidade, de carácter, de reconhecimento do passado negativo que a colonização europeia teve em relação a África e que ajudaria, provavelmente, a acabar com os complexos ainda existentes, de parte a parte.
Em simultâneo, seria um gesto pedagógico que serviria para incentivar os governantes africanos a pedirem desculpas aos seus respectivos povos, pelos males que as suas várias governações têm causado.
Não se pode fugir ao realismo de uma indiferença, sustentada pela conveniência de uma cínica relação entre Estados europeus e africanos, precisamente no sentido de se evitar recordações do passado colonial que até hoje a Europa não teve coragem, nem dignidade, de assumir como negativo e prejudicial para o continente africano, comprometendo-se a "corrigir" esse período, com boas práticas de relacionamento, que permitam, entre outras prioridades, a Educação e o bem-estar dos povos africanos, numa África comprometida com a Paz e em busca do seu caminho de desenvolvimento.
Para esta Cimeira questiona-se muito mais África do que a Europa, mas será que o que se passa em África não é em parte fomentado pelos interesses europeus?
Vimos presidentes africanos ficarem mais de 20 anos no poder, sem serem eleitos e por conveniência das antigas potências coloniais.
Assistimos a golpes de Estado de conveniência, apoiados e orquestrados por países europeus.
Assistimos a violações constantes de Direitos Humanos em África, que não são denunciados ou debatidos por países europeus, por exemplo, nas sessões da Assembleia Geral das Nações Unidas, salvo se os interesses desses países estiverem em causa.
Vimos revolucionários africanos transformados em corruptos, ditadores e agentes ao serviço de interesses europeus e outros, serem bem recebidos e referenciados por governantes europeus...
Continuamos a ouvir permanentemente discursos gastos de argumentação da não ingerência em assuntos internos, discursos de cumplicidade, promovidos por regimes europeus em exclusivo para países africanos.
Vimos a Europa, (faço referência à Europa, por ser uma Cimeira Europa/África) fornecer grandes quantidades de armamento a países africanos, sem questionar como é que esses países iriam conseguir pagar as dívidas com esses armamentos...tendo populações sem comida, sem medicamentos, sem água potável etc. etc.
Vimos países europeus fornecerem minas anti-pessoal que continuam a vitimar crianças, homens e mulheres em África.
Temos assistido a uma cumplicidade da Europa na instabilidade de África, consequência de vários interesses estratégicos na busca de posicionamento em relação ao controlo das riquezas naturais de África.
Também é verdade que temos assistido a financiamentos de Projectos em África por parte da Europa.
Também temos assistido a concessões de donativos em dinheiro e bens materiais, da Europa a África, que na maior parte das vezes são reenviados para contas pessoais (na Europa), de governantes africanos , ao invés de servirem os interesses dos países africanos.
Temos visto quadros africanos a serem formados em Escolas e Universidades europeias, mas para ficarem na Europa...
Temos assistido a fluxos de imigração clandestina de África para a Europa, sem que as respostas de fundo para esta situação, sejam colocadas, de frente, aos governantes africanos.
Temos assistido a muitas acções conjuntas, mas sem resultados práticos no que ao bem estar dos povos africanos e do desenvolvimento de África dizem respeito.
Não nos esqueçamos que a maioria dos países africanos que estarão presentes nesta Cimeira pertence a grupos da francofonia ou da Commonwealth, incluindo os países africanos lusófonos, membros da CPLP e que também são membros dessas referidas organizações.
Esta Cimeira, à partida, é uma Cimeira previamente concertada, o que condicionará qualquer acção espontânea de mudança para um novo rumo entre a Europa e África.
Aliás, vendo bem a situação: uma África na senda do desenvolvimento interessa à Europa?
Se interessa, não parece, pois para os discursos da não ingerência nos assuntos internos, há uma resposta que a Europa conhece muito bem e que sabe que pode e deve usar para o caso típico de África. Trata-se da INGERÊNCIA HUMANITÁRIA, que é um acto universal de solidariedade, mesmo na denúncia, condenação e acção prática com base no Multilateralismo, para preservar a dignidade humana dos povos africanos à mercê das ditaduras e de governações desastrosas.
África tem passado por situações claríssimas a necessitar de INGERÊNCIA HUMANITÁRIA, mas a conveniência dos interesses económicos europeus faz com que a Europa deixe estar tudo como está, até porque a China é concorrente e está cada vez mais em força em África. Digamos que a Europa aceitou ser conivente com os regimes africanos, sejam quais forem os seus modelos de governação, tal como o faz a China.
Esta Cimeira de histórica talvez tenha a controvérsia da presença do Presidente do Zimbabué, Robert Mugabe, que se tornou no tema principal, ainda que se tente desvalorizar a questão.
Há mais "Mugabes" que não o Presidente do Zimbabué nesta Cimeira e deve-se falar deles!
Algo que gostaria de compreender é saber como é que a questão "Robert Mugabe" pode ser mais importante que o narcotráfico da África ocidental, particularmente da Guiné-Bissau para a Europa? Afinal é importante ou não a questão do narcotráfico de que a Guiné-Bissau vem sendo referenciada?
Para terminar, aproveito para deixar os seguintes pedidos e sugestões:
Que se proponha o fim da venda e envio de minas anti-pessoal para África!
Que a Europa controle e limite a sua venda de armas para África, sugerindo o mesmo em relação a outros continentes fornecedores!
Que a Europa apoie mais a luta contra a fome e as doenças em África, apoiando organizações não governamentais no terreno, ao invés de atribuir verbas para esse fim aos governos!
Que a Europa investigue contas bancárias, movimentações financeiras de vulto provenientes de África, no sentido de esclarecer actos de desvios financeiros por parte de governantes africanos!
Espero que as novas gerações de europeus e africanos consigam preparar-se melhor para os desafios da globalização e, particularmente, do relacionamento inter-continental, com base no respeito, na transparência e, acima de tudo, com base na realidade histórica que liga a Europa e África.
Hoje, tal como ontem, a Europa sabe que o melhor investimento em África é aquele que lhe foi negado ao longo de cinco séculos de colonização: A EDUCAÇÃO!
UNIÃO AFRICANA: MAIS UMA CIMEIRA DE AMIGOS...
ÁFRICA: DISTINGUIR ENTRE A AJUDA E A COOPERAÇÃO
ÁFRICA DEVE CRIAR MELHORES CONDIÇÕES PARA AS SUAS POPULAÇÕES
OS PACOTES DAS RELAÇÕES ENTRE A CHINA E ÁFRICA
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO