DA NACIONALIDADE GUINEENSE ORIGINÁRIA E DA CIDADANIA DISCRIMINATÓRIA - PARECER JURÍDICO DA DRA. ANTONIETA ROSA GOMES
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
28.05.2009
No editorial de hoje, passo a palavra à Dra. Antonieta Rosa Gomes, Advogada. Licenciada em Direito, na área Político-Administrativo e Financeiro, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Brasil (1987). Mestre em Direito do Estado (Direito Público) pela mesma Universidade, em Novembro de 1994. Professora Regente do Direito Administrativo II, na Faculdade de Direito de Bissau (1995 a 1997). Membro do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, na qualidade de jurista (1997 a 2000). Ministra da Justiça (Fevereiro/2000 a Janeiro /2001. Ministra dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional (Março a Novembro/2001). Candidata presidencial às eleições presidenciais de 2005 pelo Fórum Cívico Guineense/Social-Democracia (FCG/SD), para nos falar sobre a Lei da Cidadania, bem como sobre o artigo 63 da Constituição da República da Guiné-Bissau.
Os que sabem, devem ensinar, elucidar, esclarecer, sem arrogância, aos que menos sabem, estes, por sua vez, não devem sentir complexos em aprender com quem sabe, pois no fundo, todos sabemos mais sobre uns assuntos e menos sobre outros, o que faz com que a aprendizagem, a elucidação, o esclarecimento, sejam parte de um circuito do qual todos fazemos parte e somos importantes!
É extremamente importante que se continue a ajudar o povo guineense a fazer leituras e a interpretar situações complexas, a bem da Guiné-Bissau!
É de extrema importância para a Guiné-Bissau, que os argumentos que definem um Estado de Direito sejam factuais e práticos em todos os ângulos e não apenas até um certo grau de visibilidade e de aplicabilidade.
É de extrema importância que se promovam debates para a revisão e alteração da Lei da Cidadania bem como da própria Constituição da República da Guiné-Bissau.
É de extrema importância para o país que é a Guiné-Bissau, que os guineenses, seus filhos, independentemente da cor da pele, sexo, religião, formação, opção política, social etc. se manifestem contra a Lei da Cidadania e o Artigo 63 da nossa Constituição. Não se pode querer Mudanças para o país tendo MEDO de se manifestar contra o que está mal! PETIÇÃO CONTRA A LEI DA CIDADANIA DA GUINÉ-BISSAU
Leiam, analisem e reflictam sobre o parecer da Dra. Antonieta Rosa Gomes.
Vamos continuar a trabalhar!
DA NACIONALIDADE GUINEENSE ORIGINÁRIA E DA CIDADANIA DISCRIMINATÓRIA
Por: Antonieta Rosa Gomes *
Lisboa, 28 de Maio de 2009
A nacionalidade guineense originária é atribuída à nascença do indivíduo, pelo “jus sanguinis”. São dois os princípios universalmente adoptados na atribuição de nacionalidade originária:
1- “ Jus sanguinis” (ius sanguinis), o direito do sangue.
2 – “ Jus soli “ (ius soli) o direito do solo), ou seja o território do nascimento.
A Lei da Cidadania nº 2/92 de 06 de Abril, no artigo 5º, define nacionalidade de pleno direito, ou seja nacionalidade guineense originária.
1. É cidadão guineense de origem:
a) O filho de pai ou mãe de nacionalidade guineense nascido na Guiné-Bissau ou no estrangeiro se o progenitor guineense aí se encontrar ao serviço do Estado guineense;
b) O filho de pai ou mãe guineense, nascido no estrangeiro, se declarar que quer ser guineense, ou se inscrever o nascimento no Registo Civil Guineense.
E o nº 2 do mesmo artigo 5º, refere-se a presunção da nacionalidade guineense ao recém-nascido na Guiné-Bissau, salvo prova em contrário. Interpretando o referido artigo, vê-se claramente a relevância que o legislador guineense dá ao “ direito do sangue “ em detrimento “do direito do solo”, na atribuição da nacionalidade originária aos cidadãos guineenses. Todavia esta Lei nº 2/92 de 06 de Abril, foi aprovada pela Assembleia Nacional Popular em 03/04/92, mas não foi promulgada pelo Presidente da República. Foi mandada publicar pelo Presidente da Assembleia Nacional Popular, e publicada no 2º Suplemento do Boletim Oficial nº 14 de 06 de Abril de 1992. Mas como pela Constituição da República, quem tem competência para a promulgação da lei, é o Presidente da República, portanto esta Lei da Cidadania aparentemente em vigor, é inconstitucional e inexistente. Embora tenha sido aplicada em diferentes situações de atribuição da nacionalidade guineense originária ou adquirida, sua validade é questionável. Tendo sido feita em 1992, num momento político e social diferente do actual, sua aplicabilidade requer uma revisão de forma a adequar a qualidade da cidadania guineense ao contexto de um País pluralista e de um Mundo em “Globalização”, no qual torna-se importante não desprezar “ o direito do local” dos acontecimentos (de nascimento, de crime e demais factos). A questão da Nacionalidade guineense originária, não é matéria consagrada na Constituição da República, senão em carácter político, para restringir aos cidadãos guineenses de origem, o direito ao exercício pleno da cidadania. Senão vejamos o disposto no artigo 63º, nº 2: “ São elegíveis para o cargo de Presidente da República os cidadãos eleitores guineenses de origem, filhos de pais guineenses de origem, maiores de 35 anos de idade, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos.”
Este artigo é discriminatório, na medida em que, não basta ser “cidadão guineense de origem maior de 35 anos de idade, para candidatar-se ao cargo de Presidente da República, mas os pais têm que ser guineenses de origem, o que implica que os avôs paterno e materno do candidato têm que ser guineenses". Aqui há uma restrição ao exercício do direito da cidadania. A qualidade da cidadania plena depende do momento histórico, de um ideal inatingível, bem como dos objectivos político e social. O legislador guineense, pretendia com esta cidadania restritiva e discriminatória, e sob argumento de “purus fidjus di tchom,” (filhos autênticos do país), afastar a candidatura às eleições Presidenciais de 1994, alguns dirigentes máximos dos partidos políticos da oposição, que apesar de serem guineenses de origem, tinham um progenitor (pai ou mãe), supostamente de nacionalidade estrangeira. Este artigo, foi bastante contestado, na época por muitos políticos particularmente os da oposição guineense. Pois, de acordo com o disposto no artigo 4º, nº 6 da Constituição da República: “ os dirigentes máximos dos partidos devem ser cidadãos guineenses originários.” Neste caso, basta ser filho de pai ou mãe guineense, para ser dirigente partidário. Desde então, constituíram-se vários partidos políticos a partir de 1991, sendo que todos os seus dirigentes máximos eram e são filhos de cidadãos guineenses de origem, como manda a Constituição da República. Mas alguns tinham um dos progenitores estrangeiro. Pelo que não fazia sentido, o disposto no nº 2 do referido artigo 63º da Constituição da República. Mas porém, tinha os seus destinatários, dentre outros destacava-se o líder de FLING, François Kankoila Mendy, então candidato às eleições Presidenciais de 1994. Pois embora sendo guineense de origem, mas era dado como certo, que um de seus progenitores era de nacionalidade estrangeira. Todavia, ele conseguiu provar que é guineense de origem, filho de pais guineenses de origem e sua candidatura foi aprovada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. E esse artigo acabou sendo”coba di djanfa “ (o feitiço virou contra o feiticeiro), por não atingir os opositores, mas sim os então governantes. Na verdade, o referido artigo 63º, nº 2, da Constituição da República, divide os cidadãos guineenses de origem em duas categorias: cidadãos da primeira e cidadãos da segunda.
1 - Os cidadãos da primeira categoria (purus fidjus di tchom): são os guineenses de origem, filhos de pais guineenses de origem, netos de avôs paternos e maternos guineenses. Estes têm direito ao exercício pleno da cidadania.
2 – O s cidadãos guineenses da segunda categoria: são os guineenses de origem, filhos de pai ou mãe guineense de origem e netos de avôs paternos ou maternos de nacionalidade estrangeira. A estes são restringidos o direito a cidadania plena, não podendo para o efeito, concorrer ao cargo de Presidente da República. E se Barack Obama fosse guineense de origem? Não poderia candidatar-se ao cargo de Presidente da República, porque o seu pai é keniano. E se fosse costa-marfinense? Também não poderia pelo mesmo motivo. Pois em 2000, Alassane Ouattara, um dos principais líderes políticos opositores da Costa do Marfim, foi impedido de concorrer às eleições presidenciais e legislativas, sob acusação de ser natural de Burkina Faso, e não conseguir provar sua cidadania costa-marfinense. Contudo, este líder político foi o último Primeiro-Ministro do Governo da era do então Presidente Félix Houphouët- Boigny. Certamente, em muitos Países africanos, o actual Presidente norte-americano, Barack Obama seria impedido de candidatar-se às eleições presidenciais, porque não teria direito ao exercício pleno da cidadania por ser “mestiço”. Daí a lógica do artigo de Mia Couto, escritor moçambicano: “ E se Obama fosse Africano?” Publicado no Jornal “SAVANA” de 14/11/2008.
A maioria dos Países africanos adopta o “jus sanguinis“ (o direito do sangue), na atribuição da nacionalidade originária. E os Estados Unidos da América aplicam o princípio do “ jus soli “, na atribuição da nacionalidade americana originária. A adopção deste princípio leva em conta a história dos EUA, povoado essencialmente por imigrantes: ingleses, alemães, italianos, sul-americanos, africanos, nórdicos. O Brasil e outros Países da América Latina, também aplicam o “ jus soli “, na atribuição da nacionalidade originária.
No Brasil, a questão da Nacionalidade é matéria Constitucional, consagrada no artigo 12 da Constituição de 1988 e Emenda Constitucional nº 54, de 20/09/2007.
Art. 12. São brasileiros
I - natos:
a) Os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que não estejam a serviço de seu país;
b) Os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro, ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; e
c) Os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro, ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007).
Entende-se por brasileiros natos, os indivíduos nascidos no Brasil. O território do nascimento é muito relevante, na atribuição da nacionalidade brasileira originária, levando em conta também a história do Brasil, povoado essencialmente por imigrantes: portugueses, espanhóis, japoneses, alemães, italianos, suíços, africanos, etc. Sendo estes últimos levados como escravos por “ navios negreiros.” Pode-se ver, que a cidadania plena, depende do local e momento histórico concreto. A cidadania das Américas adoptada pelo “direito do solo”, ou seja território do nascimento, está ligada sem dúvida a história desse Continente, povoado sobretudo por imigrantes. Pois se a nacionalidade originária, fosse pela aplicação do “jus sanguinis” isto é, pelos laços de sangue ou ascendência, muitos dos indivíduos nascidos nos Estados Unidos da América, não seriam norte-americanos de origem, salvo os nativos americanos e muitos dos nascidos no Brasil, também não seriam brasileiros de origem, salvo os índios.
Alguns Países europeus como Portugal, Alemanha, adoptam o princípio do “ jus sanguinis”. Mas tanto em Portugal, quanto na Alemanha, houve evolução na aplicação deste princípio, para o “ jus soli “, levando em conta os fluxos migratórios.
Pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, foram introduzidas alterações à Lei nº 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade) que modificaram os regimes da atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa. O Decreto-Lei nº 237 – A 2006 de 14 de Dezembro, regulamenta a atribuição da Nacionalidade portuguesa.
Os artigos 3º e 8º do referido diploma legal, referem-se a atribuição da nacionalidade portuguesa originária por efeito da lei ou por efeito da vontade.
São portugueses de origem:
a) – Os indivíduos nascidos no território português, filhos de mãe portuguesa ou de pai português, bem como os nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se um dos progenitores tiver nascido em Portugal e tiver residência, ao tempo do nascimento do filho, independentemente de título, sempre que do assento de nascimento não conste menção que contrarie essas circunstâncias;
b) Os indivíduos nascidos no estrangeiro, filhos de mãe portuguesa ou pai português, se um dos progenitores se encontrava ao serviço do Estado Português à data do nascimento;
c) Os indivíduos nascidos no território português, de cujo assento de nascimento conste menção especial, de que não possuem outra nacionalidade;
d) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português, nascidos no estrangeiro, se declararem que querem ser portugueses ou se inscreverem o nascimento no Registo Civil Português.
A Lei da Nacionalidade evoluiu no sentido de aplicação do princípio “ jus soli “, na atribuição da nacionalidade portuguesa originária. Pois passou a ser abrangente aos filhos de estrangeiros nascidos em Portugal, desde que o pai ou a mãe tiver nascido no território português e tiver residência aí, à data do nascimento do filho, ainda que não possua título.
A França, é o País europeu que adopta o princípio “ jus soli “, na atribuição da nacionalidade francesa, e isso tem a ver com os fluxos migratórios para esse País.
Por isso, a aplicação rígida do princípio “ jus sanguinis “, para atribuição da nacionalidade originária ou seja o direito a cidadania plena, embora esteja em uso em muitos Países africanos, está desajustada ao momento histórico que se vive, de um Mundo em “Globalização” e em que a imigração é um direito reconhecido por quase todos os Países dos cinco Continentes. E no caso concreto da Guiné-Bissau, a rigidez na aplicação do princípio “ jus sanguinis “, afecta de uma maneira geral os guineenses de origem, que pelo facto de eventualmente contraírem casamento com um cidadão estrangeiro ou cidadã estrangeira, seus filhos nascidos no território guineense, embora guineenses de origem, não teriam direito ao exercício pleno da cidadania, e por consequência, não poderiam candidatar-se ao cargo de Presidente da República. E muitos são os cidadãos guineenses nessas condições. Pois os que fizeram os seus estudos no exterior e casaram com mulheres ou homens de outras nacionalidades, seus filhos não são elegíveis ao cargo de Presidente da República. E além disso, a adopção legal do princípio “jus sanguinis” não leva em conta a realidade histórica do País, formado não só pelos nativos guineenses, mas também por imigrantes essencialmente de origem cabo-verdiana. E se o “Pai Fundador da Nacionalidade Guineense” Amilcar Cabral, fosse vivo? Que cidadania lhe seria reservado, da primeira ou da segunda categoria? Pois nasceu na Guiné-Bissau, em Bafatá, mas os seus progenitores eram caboverdianos. E por consequência, não seria elegível ao cargo de Presidente da República? Seria uma aberração o “Fundador da Nacionalidade Guineense”, não ter direito a essa própria nacionalidade de origem e o direito ao exercício pleno da cidadania. “ Coisas nossas, bem nossas”! Dito por Jorge Ampa.
* Advogada, Mestre em Direito do Estado (Direito Público).
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A LEI DA CIDADANIA: DISCUTIDA, APROVADA E PROMULGADA POR QUEM?!23.04.2009
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